O governo do Estado de São Paulo não pode cobrar dos contribuintes uma taxa maior do que a Selic para parcelamentos de débitos tributários. Esse tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em diversas decisões recentemente.
No começo de novembro, por exemplo, o TJSP rejeitou o apelo da Fazenda Estadual para reformar uma sentença que tinha considerado ilegal a cobrança de juros da ordem de 3,9% ao mês – o que corresponde a 46,8% ao ano – pelo parcelamento do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Vale lembrar que a Selic está atualmente em 13,75% ao ano conforme decidido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em reunião da semana passada.
As duas principais linhas de argumentação do fisco paulista na apelação foram que ao aderir ao Programa Especial de Parcelamento (PEP), a companhia a teria que renunciar a qualquer questionamento e que a própria legislação estadual permitiria que a Fazenda pedisse juros maiores do que a Selic para esses casos.
Sobre o primeiro argumento, o relator, juiz Julio Cesar Spoladore Dominguez, citou o entendimento do desembargador Carlos Violante, segundo o qual, a adesão do contribuinte aos programas de parcelamento importaria enquanto confissão da existência do débito, mas não impediria a discussão e o controle jurisdicional dos aspectos jurídicos envolvendo a cobrança da dívida.
De acordo com o especialista da área Tributária e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Eduardo Zangerolami, isso é importante, porque mostra que se existe ilegalidade na cobrança de uma dívida fiscal pelo estado, a dívida confessada pode sim estar sujeita a discussão.
“Se eu confessei um débito com juros ilegais, eu tenho direito a um recálculo da dívida e o contribuinte ganha um fôlego porque até a recontabilização ele não precisa pagar as parcelas se ele conseguir uma liminar”, afirma o advogado.
O sócio da área tributária do escritório Demarest Advogados, Douglas Mota, concorda com essa visão. Segundo ele, já há uma jurisprudência estabelecida no TJSP de que o Estado não pode cobrar mais do que a Selic nos parcelamentos, mas a grande novidade desses dois casos foi a aplicação desse entendimento até para casos de programas especiais de parcelamento. “O precedente aberto é o contribuinte poder questionar os juros nesse tipo de programa. Quando a empresa adere ao PEP, por exemplo, ela renuncia à decisão do mérito. Ela aceitou o auto de infração. No entanto, ela pode questionar a taxa de juros aplicada, porque isso não faz parte do mérito”, conta o advogado.
Já com relação ao segundo argumento, o Tribunal decidiu que o artigo 96 da Lei Estadual 6.374/89, na redação conferida pela Lei 13.918/09 prevê os juros de forma abusiva, e reconheceu a inconstitucionalidade da interpretação dada pela Fazenda, entendendo que a aplicação de juros sobre o imposto não deve ser superior à taxa básica de juros da economia brasileira. “Isto porque, considerando a competência concorrente para legislar sobre a matéria [artigo 24, I, da Constituição Federal], cabe à União editar normas gerais e aos estados suplementá-las no âmbito local”, diz o acórdão.
Sobre a questão, Mota lembra que havia uma regra para o cálculo de juros em dívidas tributárias em São Paulo e que esses critérios para a conta foram alterados em 2009. Nessa alteração, definiu-se que a partir do dia seguinte àquele em que ocorra a falta de pagamento salvas algumas hipóteses, a taxa de juros da mora será de 0,13% ao dia, valor que efetivamente se torna os já referidos 3,9% ao mês.
Mota destaca ainda que, por causa dessa nova legislação, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que a taxa de juros incidente sobre tributos estaduais pode ser fixada pelos Estados desde que obedeçam ao limite das legislações da União. E a lei federal justamente define como teto para as taxas o valor da Selic.
“Alguns contribuintes se insurgiram baseando-se nessa ação do STF. Eles questionaram que não poderia São Paulo estabelecer uma regra que ultrapassasse o limite”, comenta o advogado. Foi por isso, segundo ele, que o órgão especial do TJSP decidiu pacificar a jurisprudência nesse caso por meio da Arguição de Inconstitucionalidade n° 0170909-61.2012.8.26.0000, que reconheceu a inconstitucionalidade das mudanças realizadas na lei que define os juros nos impostos cobrados pelo estado.
Questionamento
O advogado do Barcellos Tucunduva explica que muitas vezes o empresário parcela as suas dívidas e não se atenta a essas questões da lei que servem para impedir a Fazenda de cobrar juros abusivos dele.
“Se ele for obrigado a pagar taxas superiores à Selic, ele tem que entrar com um mandado de segurança para pedir o recálculo”, acrescenta.
As decisões, de acordo com ele, são especialmente relevantes principalmente para o parcelamento do ICMS e do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que são impostos estaduais.
O sócio do Demarest concorda. Para ele, essa decisão vai ter muita importância para os contribuintes, que podem e devem se insurgir contra quaisquer cobranças abusivas por parte do fisco.
Fonte: DCI – 06/12/2016 – Ricardo Bomfim